A situação de penúria dos municípios brasileiros é mais que conjuntural. Conjunturalmente, o fraco desempenho da economia brasileira desde 2009 vem minando direta e indiretamente a arrecadação dos municípios e principalmente os repasses para o FPM – Fundo de Participação dos Municípios, embora este não seja nem o único e nem o principal motivo da crise. Existe um componente estrutural que está relacionado às crescentes atribuições e responsabilidades que se transferem para a alçada municipal, cujo ritmo não é acompanhado pelas receitas.

Na prática, o que estamos vendo é o sub financiamento dos serviços públicos, que conjunturalmente é agravado pelas condições macroeconômicas, que erodem o FPM de duas formas: Pela queda natural da arrecadação do Imposto de Renda, fruto da perda do dinamismo econômico, e pela perda da receita do IPI -  Imposto sobre Produtos Industrializados, em virtude das desonerações implementadas com o intuito de estimular alguns setores da economia.

Dois fatos chamam a atenção neste ambiente de crise: Primeiro, porque atinge aos entes governamentais mais pobres, os que mais dependem do FPM, transferências intergovernamentais. Segundo, que esta crise tem a ver com o enorme crescimento da carga tributária, passando de 30,9% do PIB em 2009 para 37,3% em 2012. Assim, apesar de o Estado brasileiro arrecadar mais tributos da sociedade, a contrapartida em serviços públicos não acompanha esta evolução, porque os municípios - responsáveis por prestarem estes serviços aos cidadãos – recebem apenas 20,0% da arrecadação tributária.

Aliás, a forma clara de examinar esse problema é comparar os fundos constitucionais com a evolução das receitas da União. No primeiro ano da Constituição Federal de 1988, o FPM era composto por apenas 20,5% do IPI e do IR, mas consumia  15.0% da denominada receita administrada pela Receita Federal. Em 2012,  a participação evoluiu para 23,5% e consumiu apenas 10,0%. Ou seja, apesar do aumento, a participação dos municípios diminuiu, o que é explicado pelos artifícios tributários implantados pelo Governo Federal, que infelizmente foram chancelados pelos nossos parlamentares, sem o devido cuidado de preservar o ente federado município.

Foram decisões e projetos que constituíram alguns tributos, contribuições e desonerações que ficaram somente para os cofres da União, ficando Estados e Municípios sem participação nestas receitas. Citando exemplo: apenas um artifício recente criado, que impacta brutalmente os municípios, são as desonerações levadas a efeito pela a União, em tributos como o IPI. Bondade que a União faz com chapéu alheio. É um modelo federativo no qual medidas que retiram receitas dos municípios são levadas a cabo sem consultá-los e sem o seu manifesto de consentimento. Estudos sérios da CNM – Confederação Nacional dos Municípios dão conta de que, de 1995 a 2012, se fosse mantida a participação na receita dos tributos IPI/IR pelos municípios, eles teriam recebidos 274 bilhões a mais de repasses federais. Isso dá uma idéia dos prejuízos causados pelas políticas fiscais implementadas por Brasília. A título de comparação, somente as desonerações de 2009 a 2014 somam 11 bilhões.

A situação financeira dos municípios só não é pior porque, ao contrário do que é propagado, os municípios têm conseguido aumentar suas receitas próprias em ritmo superior ao FPM. Contudo, este privilégio tem sido de municípios mais abastados e não os mais pobres, que são os que mais carecem de recursos para atenderem às demandas da população.

Por essas e outras razões, a AMP – Associação dos Municípios do Paraná, irmanada com a CNM – Confederação Nacional dos Municípios, estão engajadas na luta para que os municípios se recuperem da situação falimentar em que se encontram, encampando de imediato a bandeira  de acréscimo de dois ponto percentuais no FPM, defendendo a aprovação imediata de emendas constitucionais que estão tramitando na Câmara  e no Senado PEC 341 e 39/13 respectivamente, que determinam o aumento de 23.5% para 25,5% na arrecadação do IPI e do IR. Aprovadas, elas representam 7,4 bilhões a mais nos cofres dos municípios, que, somente aqui no Paraná, beneficiará setenta por cento das prefeituras, que têm no FPM sua receita principal.

É sabido também que a aprovação desse aumento não será a solução definitiva das prefeituras brasileiras. Trata-se de um paliativo. Cedo ou tarde, o desafio da Reforma Tributária, da Reforma Fiscal, da Reforma do Pacto Federativo terá de ser enfrentado. É inegável a crise sistêmica do arcabouço tributário, fiscal, nascido na Constituição Federal de 1988. Temos umas das maiores e mais complexas cargas tributária dos países em desenvolvimento, que distorce as relações econômicas e inibe os investimentos privados.

Ao mesmo tempo, não consegue satisfazer as demandas sociais básicas, como educação e saúde de qualidade para a nossa população. Para resolver essa equação, é necessário mais que medidas pontuais. É preciso não só reformar o ICMS, como também avançar na unificação de vários tributos federais que hoje concorrem com o Imposto Estadual. O IPI, o PIS e  COFINS são exemplos disso. É preciso ampliar a base de partilhamento de receitas da União com Estados e Municípios. Ainda no caso do ICMS, é preciso acabar com a guerra fiscal, responsável pela retirada de 20 bilhões dos municípios, como também alterar a forma de distribuição aos municípios, priorizando os consumidores - onde os cidadãos vivem.

É preocupante ainda a ausência na agenda das reformas constitucionais, por exemplo, no critério que destina 75,0% do ICMS aos municípios produtores. Como sempre, os interesses do ente federado menor, o município, ficam em segundo plano no debate da reforma tributária, discussão que envolve o pacto fiscal e as regras que permeiam as transferências intergovernamentais. O atual regime federativo é duplamente injusto. Primeiro, porque sempre prioriza as esferas superiores de governo, que são as que menos prestam serviços à população. Segundo, porque a distribuição está eivada de distorções que acentuam as desigualdades entre ricos e pobres, vide o caso dos Royalties do petróleo.

Lutar contra as injustiças fiscais da federação brasileira é fundamental na atual conjuntura de crise dos municípios. No momento em que faltam recursos para os serviços públicos elementares, não podemos ser coniventes com um sistema que concentra receitas na esfera União, Estados e muitos municípios privilegiados, que são aquinhoados pelas atuais regras do ICMS e royalties. Enfim não haverá mudanças significativas que não deságuem no debate de um novo pacto federativo. Precisamos ter coragem e incorporarmos os avanços de outras federações modernas, como a equalização fiscal, traduzindo buscar a justiça fiscal para a garantia de equidade e qualidade de prestação de serviços públicos.

É bem verdade que os problemas não se limitam somente  à  distribuição equitativa dos recursos arrecadados. Temos a reforma política, que também terá de ser implementada. O calendário eleitoral atual acaba prejudicando quando um esfera de governo está assumindo outra está finalizando. Portanto, não podemos conviver com eleições de dois em dois anos. Esta prática custa caro e faz com os orçamentos das esferas de governo não dialoguem, atrapalha o planejamento, sem contar que os gestores estão muitas vezes trabalhando com orçamentos que não elaboraram. Outro tema importante a ser examinado é o financiamento público de campanha, para afastar interferências de interesses privados. Enfim, estamos em volta com desafios de toda ordem, que num ou em outro momento terão de ser enfrentados.

 

Luiz Lázaro Sorvos - Presidente da AMP e prefeito de Nova Olímpia